Diogo Magalhães e Silva é investigador no iMed.ULisboa e estudante de doutoramento na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa. Acaba de ser distinguido pela fundação La Caixa com uma Bolsa que irá apoiar a investigação de um novo tratamento para vários tipos de cancro, com menos efeitos secundários. A sua formação é em química e o seu trabalho tem sido feito no cruzamento entre esta área e a biologia, com o intuito de encontrar ferramentas que contribuam para mais e melhores terapêuticas. Fizemos-lhe algumas perguntas sobre o seu projeto.

FFUL: Há quanto tempo faz investigação na área do cancro?
Diogo Magalhães e Silva: Faço investigação na área do cancro há 4 anos e meio, que corresponde ao meu trabalho de PhD.

FFUL: Como recebeu a notícia de que este seu projeto de investigação tinha ganho uma Bolsa da Fundação La Caixa?
DMS:  Com grande entusiasmo e satisfação. A atribuição desta bolsa valida a qualidade do projeto de investigação que desenvolvi durante o meu PhD a nível internacional. É uma call extremamente competitiva e estar nos 4 projetos financiados em Portugal, num total de 15 na Península Ibérica, é motivo de orgulho, mas também de responsabilidade. Responsabilidade enquanto cientista de continuar no caminho certo para poder transferir o conhecimento gerado durante o meu PhD para a criação de valor na sociedade.

FFUL: Tem-se dedicado apenas (e não é pouco, claro) à investigação nesta área, ou também a outras áreas da saúde?
DMS: Durante a minha experiência de investigação tentei sempre trabalhar em projetos na interface da química e a biologia que pudessem ter aplicação na área das ciências da saúde e da vida.

FFUL: O seu projeto pretende chegar a uma nova terapia que reconheça as células cancerígenas, de modo a que apenas estas sejam “atacadas”, diminuindo os efeitos secundários provocados pela terapia convencional. De que forma irá atuar este medicamento “inteligente”?
DMS: Nós temos no nosso organismo dois tipos de ferro: o Fe(III), que representa 99% de todo o ferro no organismo, e o Fe(II), que representa 1%. Recentemente, descobriu-se que este 1% está aumentado em células cancerígenas quando comparado com os tecidos ou células saudáveis. Durante o meu PhD, desenvolvi sistemas de entrega de fármacos que são seletivos a Fe(II) e, só depois de reagirem com o Fe(II), é que o fármaco é libertado. Nós já demonstrámos em células que conseguimos reduzir a toxicidade de fármacos usados na clínica através dos nossos sistemas.

FFUL: Ou seja, uma vez que o sistema seletivo a Fe(II) permite uma maior libertação de fármaco nas células cancerígenas, reduz assim os efeitos secundários. É isso?
DMS: Sim. Com o nosso sistema vamos tentar entregar mais fármaco nas células cancerígenas do que nos tecidos saudáveis. Nós criámos um autocarro (o nosso sistema) que tem um número de passageiros fixo (neste caso, o fármaco). O que vai acontecer é que o autocarro (o nosso sistema) vai deixar sair mais passageiros (fármaco) no cancro do que nos tecidos saudáveis, porque no cancro ele vai ter mais Fe(II) para poder abrir as portas (ativar o nosso sistema), quando comparado com os tecidos saudáveis.

FFUL: Porque razão as terapias usadas até agora ainda têm tantos efeitos secundários?
DMS:  As terapias usadas hoje em dia não são seletivas, sendo tóxicas para as células cancerígenas, mas também em tecidos saudáveis. Isto causa efeitos secundários indesejáveis, e muitas vezes os doentes têm de parar o tratamento por causa destes efeitos secundários.

FFUL: Se este estudo tiver conclusões positivas, em quanto tempo acha que esta nova terapia poderá chegar aos doentes?
DMS: Esta pergunta é sempre difícil porque existe uma grande necessidade de melhores terapias para um grande número de doentes. Eu gosto sempre de mostrar às pessoas cautela e ponderação, por isso, o desenvolvimento de um novo medicamento pode demorar 15 anos se tudo correr bem. Em suma, se tudo correr bem pode chegar aos doentes em 15 anos. É um processo muito moroso e dispendioso, apesar de haver necessidade e urgência de melhores tratamentos.

FFUL: Para que outros jovens investigadores possam saber, qual o caminho a fazer para quem pretende seguir o caminho da investigação nas ciências farmacêuticas?
DMS: Pegando nas palavras do professor Hélder Mota Filipe, a formação em ciências farmacêuticas é de largo espectro. Se quiserem seguir a carreira da investigação têm de ter paixão pela área a que se vão dedicar a estudar. Como o professor Helder Mota Filipe menciona, vivemos um período de grande inovação terapêutica, o que faz com que a área da investigação seja muito interessante, mas também muito exigente. Por isso, se seguirem a carreira da investigação devem estar constantemente a atualizar-se e trabalhar arduamente. No dia-a-dia, muitas das experiências que planeamos falham, tal como na vida, daí que ser perseverante é extremamente importante nesta carreira. Finalmente, é muito importante manterem um espírito de mente aberta porque, quanto com mais áreas de conhecimento das ciências farmacêuticas contactarem, maior vai ser o vosso conhecimento adquirido e, consequentemente, maior o impacto da investigação que fazem para a sociedade.

Saiba mais sobre este projeto na página da Fondation la Caixa.