As infeções fúngicas estão a aumentar em todo o mundo, impulsionadas por múltiplos fatores que vão desde o crescimento do número de doentes imunodeprimidos até às alterações climáticas. A tendência tem preocupado a comunidade científica, levando a Organização Mundial da Saúde (OMS) a publicar, em 2022, o primeiro relatório sobre o tema, onde identifica 19 espécies ou géneros fúngicos e os categoriza em graus de risco crítico, elevado e médio.

Raquel Sabino, professora e investigadora da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa (FFUL), indica que este aumento global se deve a um “aumento do número de doentes imunodeprimidos, aumento do número de procedimentos invasivos realizados (cirurgias, transplantes, uso de cateteres, ventilação mecânica, por exemplo), alterações climáticas e eventos climáticos extremos, e elevado número de viagens que atualmente fazemos e alterações dos fluxos populacionais”.

De acordo com um estudo publicado na The Lancet em 2024, mencionado pela docente, estima-se que ocorram anualmente 6,5 milhões de casos de infeções fúngicas invasivas, com cerca de 2,5 milhões de mortes consideradas diretamente atribuíveis à infeção.

A nível nacional, foi realizado um estudo em 2017 em que se estimou que cerca de 1,7 milhões de pessoas desenvolvem anualmente uma infeção fúngica. No entanto, este estudo englobava quer infeções superficiais (pé-de-atleta, por exemplo), quer invasivas (mais graves). No que respeita apenas a infeções invasivas, e focando em dados mais recentes, temos alguns estudos que focam a prevalência de casos laboratoriais declarados e que mostram que a diversidade de espécies fúngicas causadoras de infeção é bastante elevada; temos estudos que reportam a prevalência de Aspergillus em doentes COVID, de Aspergillus resistentes aos azóis e de Candida. É necessário, no entanto, “mais estudos multicêntricos e a nível nacional que nos permitam uma noção mais realista da prevalência das diferentes infeções fúngicas”, refere Raquel Sabino.

Diagnóstico tardio e falta de especialistas

Entre os obstáculos mais significativos ao controlo destas infeções está o diagnóstico tardio, muitas vezes comprometido pela falta de formação específica e de recursos laboratoriais. A docente da FFUL destaca que “há uma elevada escassez de recursos humanos com aptidões teóricas e principalmente práticas para o estudo e diagnóstico de infeções fúngicas e pouca aposta a nível nacional nesta vertente”.

Além disso, a perceção de que estas infeções são pouco comuns continua a ser um entrave. “O facto de as infeções invasivas serem infeções que afetam maioritariamente doentes com comorbilidades e de maioritariamente não serem infeções transmitidas diretamente de pessoa para pessoa leva a que se pense que são infeções pouco comuns.”, refere Raquel Sabino, reforçando, contudo, que “no caso das infeções superficiais como as dermatofitoses a probabilidade de contágio é grande”. Nos países de baixo rendimento, a situação é bastante mais grave, pois muitos não têm métodos de diagnóstico, nem antifúngicos disponíveis, para deteção atempada e tratamento eficaz das infeções fúngicas.

Infeções potencialmente fatais

As infeções fúngicas invasivas podem afetar vários órgãos vitais e representam um risco elevado para doentes com o sistema imunitário comprometido, podendo causar infeção na corrente sanguínea ou no sistema nervoso central, pneumonia, afetar órgãos como rins ou coração, infetar próteses, entre outras.

Atualmente, existem cinco classes principais de antifúngicos: polienos, azóis, equinocandinas, alilaminas, fluoropirimidinas. Embora eficazes, estas terapias enfrentam limitações, pois podem causar efeitos secundários adversos, ter dificuldade na penetração de alguns tecidos ou até ter efeito nulo ou reduzido devido ao desenvolvimento de resistências a alguns antifúngicos. Existem várias moléculas em estudo, mas não existe previsão de quando estas possam ser disponibilizadas no mercado.

Na FFUL, está a desenvolver-se investigação sobre esta temática, nomeadamente na identificação e caracterização de fungos responsáveis por infeções em humanos, particularmente aqueles com impacto em doentes imunocomprometidos; na monitorização da resistência antifúngica em fungos clinicamente relevantes; na contribuição para políticas de saúde pública relacionadas com o controlo de infeções fúngicas, entre outros.

Clima, ambiente e resistência cruzada

As alterações climáticas e o uso de pesticidas estão a transformar o panorama das infeções fúngicas, permitindo que espécies antes inexistentes em certas regiões comecem a proliferar. Ao mesmo tempo, aumenta a resistência aos antifúngicos, em parte devido à utilização de pesticidas com compostos semelhantes aos usados em contexto clínico. Estas mudanças exigem uma abordagem integrada entre saúde humana, animal e ambiental — o chamado conceito “One Health”. No entanto, a ausência de notificação obrigatória para este tipo de infeções continua a dificultar a perceção real da sua prevalência.