Filipa Alves da Costa, Investigadora do iMed.ULisboa e Docente da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa (FFUL) integra a equipa internacional que publicou, esta semana, um artigo que estabelece pela primeira vez diretrizes globais para a prestação de serviços de saúde com vista à prevenção e tratamento de hepatites virais em prisões. O trabalho, divulgado na revista científica The Lancet Infectious Diseases, sintetiza a melhor evidência disponível e propõe caminhos concretos para acelerar a eliminação da hepatite B (HBV) e C (HCV) neste contexto.
As prisões são hoje reconhecidas como locais críticos para a transmissão de hepatites virais, devido essencialmente a fatores como a partilha e uso de seringas não estéreis para tatuagem e utilização de substâncias injetáveis, práticas sexuais consensuais ou coercivas não protegidas, e dificuldades de acesso a cuidados de saúde. As prevalências estimadas globalmente — 4,5% para HBV e 11% para HCV, substancialmente superiores às da população geral — colocam estes ambientes no centro dos desafios de saúde pública.
Apesar disso, a maioria dos países ainda não inclui as prisões nos seus planos nacionais de eliminação, o que compromete o alcance das metas estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde para 2030.
O novo artigo resulta de um processo abrangente que incluiu uma revisão sistemática de 703 estudos e o desenvolvimento de recomendações avaliadas de acordo com a metodologia GRADE por um painel internacional de especialistas, investigadores, profissionais de saúde e pessoas com experiência de campo em prisões. O documento apresenta 30 recomendações-chave para transformar a resposta global às hepatites B, C e A nos estabelecimentos prisionais, estabelecendo pela primeira vez um quadro normativo uniforme e baseado em evidência.
Recomendações principais das Diretrizes Globais
As orientações agora publicadas sugerem um conjunto de medidas essenciais para garantir a prevenção, o diagnóstico e tratamento e a continuidade de cuidados equivalentes aos existentes na comunidade:
– Testagem universal na admissão: Implementação de testagem sistemática para HBV e HCV aquando da entrada na prisão, salvo recusa explícita, garantindo elevada cobertura e equidade no acesso ao diagnóstico.
– Acesso universal a antivirais de ação direta (DAAs) e vias rápidas de test-and-treat: Tratamento simplificado, rápido e eficaz, com modelos baseados em point-of-care que aumentam significativamente o início e conclusão da terapêutica.
– Continuidade de cuidados antes, durante e depois da prisão: Evitar interrupções terapêuticas durante transferências ou libertação, assegurando ligação direta aos serviços de saúde comunitários após saída.
– Redução de danos como elemento central: Terapêutica de substituição opiácea (TSO), programas de troca de seringas e de tatuagem segura.
– Educação e envolvimento de pares: Programas educativos dirigidos a pessoas reclusas, equipas de saúde e pessoal prisional, valorizando o papel de pares com experiência relevante.
– Monitorização e avaliação regulares: Recolha sistemática de dados sobre prevalência, incidência, testagem e tratamento, em linha com as práticas de vigilância da população geral.
– Priorização minorias e grupos populacionais que requerem considerações particulares: Abordagens adequadas às necessidades específicas de grupos vulneráveis, frequentemente expostos a riscos acrescidos e barreiras acrescidas ao acesso a cuidados (e.g. mulheres, transgénero, homens que fazem sexo com homens, pessoas que usam drogas, entre outros).
Esta publicação vem assim reforçar a urgência de integrar as prisões nos planos nacionais de eliminação da Hepatite Viral e de investir em políticas baseadas em evidência, equidade e direitos humanos.
